Tem um
verso muito conhecido de um samba alusivo da Unidos do jacarezinho que Diz
assim. “ninguém segura meu jacaré, meu jacaré, tem poesia e samba no pé”.
Pesquisando cuidadosamente a obra musical desta magnífica escola de
samba, pude constatar que estes versos reproduzem fielmente uma das
características mais marcantes da Jacarezinho, que é o lirismo poético aliado a
um ritmo peculiar que faz seus sambas se tornar um dos mais singulares da
história do samba enredo.
Fruto da fusão de três agremiações da região, Unidos do Morro azul,
Unidos do Jacaré e do bloco Não tem Mosquito, a Jacarezinho tem uma história
calcada na força da sua comunidade, basicamente de maioria negra e proletária e
de uma profícua e talentosa ala de compositores que tem no seu quadro, figuras
como nada mais nada menos, que Monarco, Bené do Feitiço, Nonô e o imortal
Barbeirinho do Jacarezinho.
Em 1970 estreando como debutante entre as grandes do Rio a pequenina
Jacarezinho já dava seu bom cartão de visita , mostrando com o belíssimo samba
enredo O Fabuloso Mundo do Circo, que ela compensaria sua falta de grana para
fazer seus desfiles plásticos, desfilando obras musicais que tocariam a alma do
sambista carioca. Este samba de autoria da dupla de compositores da escola
Marcos e Sarabanda pode ser considerado um clássico do gênero. A melodia é
baseada nas cantigas de roda e tem no laiá laiá uma marca da sua identidade
musical, que vai aparecer constantemente nos outros sambas da
agremiação.
Durante o restante da década de 70 a Jacarezinho foi desfilando vários
sambas de alto nível, mas eu destaco dois como obras fenomenais. O primeiro
é Catarina Mina de 1975 neste enredo o jacaré, conta a quase desconhecida
história da sensual e bela escrava Catarina Mina,
que usou o seu corpo e seu amor para negociar sua participação na sociedade
maranhense colonial. Eis um dos estribilhos deste belo samba.
Olha o boi bumba
Olha o Catimbó
Salve o batuque
No terreiro da vovó.
Rode compositor solitário desta obra, recorre como de costume da ala de
compositores da escola, as cantigas populares para ilustrar suas poesias.
Em 1976 a Jacarezinho desceu para defender mais um belo
samba enredo, se tratava de Canudos, sua história, sua gente. Engraçado, é que
neste mesmo ano, outra escola tão popular como a Jacarezinho, a Em Cima da Hora, emplacava também um dos sambas, mas bonitos do
carnaval carioca, Os Sertões que a exemplo da Jacarezinho abordava a
carnificina proporcionada pelas elites brasileiras para acabar com a obra
social criada por Conselheiro e seu povo. Talvez pela grandeza do samba da Em
Cima da Hora , pouca gente nota a qualidade deste samba da Jacarezinho. O que
tem de mais singular e fantástico neste samba é, o seu refrão principal.
Oh virgem do Rosário
Senhora do mundo
Dê- me um coco d´agua
Senão eu vou ao fundo.
Guaraci, Meireles, Moreira e Thompson são de uma
felicidade poética fora do comum,
carnavaliza a prece que o pessoal de Canudos clamava nas horas mais críticas de
embate contra as forças do Estado reacionário. Belo!
Nos anos 80 chega para administrar a escola mestre
Monarco, com ele, começa uma fase de homenagens a grandes compositores da nossa
música popular, em 1981 a escola leva para avenida o enredo Paulo da Portela, a
majestade do samba. Em 1982 é a vez de homenagear Geraldo Pereira e finalmente
vem à coroação com o enredo Candeia, a luz da inspiração, que deu a escola o
título de campeã do extinto grupo 1B o acesso dá época que dava ascensão ao
grupo principal.
Com esta justa homenagem a um dos homens mais politizados do mundo do
samba, mestre Candeia, a Jacarezinho produz mais uma obra prima musical. Com um
samba sério, nostálgico e de exaltação, a verde rosa do Jacaré, sensibiliza
toda a passarela do samba ao passar com este cântico já nas primeiras horas da
manhã de domingo de carnaval. No tom dos versos do samba de Bené Feitiço,
Pedrinho Total, Zé Leitão, Vilmar e Marquinho Mancha, a Jacarezinho, apresenta
um desfile em tom menor e uma apresentação plástica comandada pelo carnavalesco
Flávio Tavares que leva aos jurados a não terem dúvida da campeã do acesso de
86. A pesar dos protestos feitos pela Acadêmicos do Engenho da Rainha ao
Presidente da extinta Rio Tur Trajano Ribeiro em relação a uma nota 7 recebida
pela bateria da escola. Lamentações e polemicas não podem macular este
campeonato da Jacarezinho.
Para finalizar, quero dizer, que esta reflexão sobre esta bela
agremiação carnavalesca chamada Unidos do Jacarezinho, visa também, além de
mostrar o valor cultural desta favela fantástica,
que foi e ainda é responsável pela liberação de grande parte de trabalhadores
que vão vender sua força de trabalho para os magnatas da zona sul, mas que como
vimos ajudou a escrever uma bonita pagina da história do samba carioca.
A
favela do Jacarezinho não é só tráfico e miséria como mostra a mídia burguesa
todos os dias, por trás desta realidade mórbida produzida pelo capitalismo
excludente se esconde, uma bela história de amor chamada Grêmio Recreativo
escola de samba Unidos do Jacarezinho.
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