A opinião do pesquisador e historiador sobre os acontecimentos do carnaval

Mudanças históricas nas baterias das grandes escolas de samba do Rio de Janeiro

Quem for à Marques de Sapucaí assistir aos desfiles do carnaval de 2010 tomará um susto ao ouvir a bateria de algumas escolas de samba do Grupo Especial, pois depois do resultado do último carnaval as diretorias de algumas escolas resolveram alterar o posto daqueles que tem a responsabilidade de reger suas orquestras de percussão.

Algumas destas mudanças considero históricas, pois num carnaval extremamente capitalista, como o que nós estamos vivendo, manter um mestre de bateria à frente da sua escola por dez ou trinta anos é algo raro e singular.

Mas este ano os presidentes das escolas de samba do Grupo Especial resolveram de uma só vez acabar com esta tradição e dispensaram seus mestres de bateria que tinham raízes históricas com suas escolas.

A Vila Isabel pelo jeito aposentou o talentoso mestre Mug que vinha há mais de trinta anos à frente da bateria da azul e branca. Foi ele quem comandou o ritmo da escola nos títulos de 1988 e 2006. A Unidos do Viradouro não conta mais com os serviços de mestre Ciça, que após um longo trabalho fez da bateria da vermelho e branco de Niterói sua imagem.

O Império Serrano desfez o seu casamento com mestre Átila, que deu à bateria da Serrinha um andamento peculiar a sua formação musical.

Mas a saída que me causou mais surpresa foi a de mestre Odilon da Acadêmicos da Grande Rio, senão vejamos: mestre Odilon introduziu na bateria da escola de Caxias um estilo de tocar que conseguia harmonizar o andamento da bateria com o estilo do samba escolhido pela agremiação. Nunca se viu mestre Odilon acelerando o andamento da sua bateria para satisfazer um samba vencedor, mas de qualidade duvidosa. Paradinhas inúteis mestre Odilon não faz só para levantar o setor 1, enfim acho que a Grande Rio vai perder muito com a saída de mestre Odilon. Não quero aqui condenar a mudança feita pela escola, pois não sei quais foram às razões para tal, só acho que a substituição do mestre Odilon por Ciça, será um corte muito profundo no estilo de tocar dos ritmistas da Grande Rio, pois considero o ex-mestre da Viradouro antítese de Odilon. Mas como tradição não é uma coisa que a Grande Rio valoriza muito, basta ver o seu desfile na Sapucaí com mais celebridades do que comunidade. Acabo tendo que concordar que a mudança feita no comando da bateria é algo coerente com sua história.
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Professor Mariano
Pesquisador e Carnavalesco

As igrejas evangélicas e o carnaval




O episodio da possível venda da legendaria quadra da Corações Unidos, que hoje abriga o Bloco União da Engenhoca, para uma igreja evangélica, invoca uma discussão muito interessante, mas pouco explorada no mundo do samba. Há muito tempo existe nas comunidades pobres do Rio de Janeiro um trabalho muito forte por parte destas igrejas evangélicas de enfraquecer social e culturalmente as agremiações carnavalescas, sejam elas blocos ou escolas de samba e, assim, desfazer seus vínculos de identidade com suas comunidades.
Quem milita no carnaval sabe que há muitos anos encontramos sérias dificuldades em levar para a avenida a famosa ala das baianas. Já ocorreu em vários carnavais de as agremiações perderem pontos por levarem um número insuficiente de baianas para avenida. Pesquisas antropológicas feitas em algumas agremiações apontam que um dos motivos para esse desaparecimento de componentes nas alas das baianas se dar pelo fato do assédio feito pelas igrejas evangélicas nas camadas mais idosas da comunidade. O trabalho de catequese que é feito na cabeça das senhoras está fazendo ao logo do tempo com que elas troquem as fantasias pelas bíblias.

Tal fenômeno ocorrido nas alas das baianas acabou num certo momento influenciando para diminuição do número de componentes das agremiações, pois, por exercerem muitas das vezes o papel de chefe da família, mãe e avó, estas mulheres acabam de uma certa forma, convencendo familiares e seu ciclo de amizade a se afastarem do mundo carnavalesco. Por isso é que hoje várias agremiações têm muita dificuldade de ter um número mínimo de componentes para desfilar no carnaval.

Não quero, com esta reflexão, causar nenhum clima de rivalidade entre religião e carnaval, pois acho que o carnaval, de um certo modo, é uma festa com contornos religiosos. O que trago é um olhar para algo que é latente, e se, de algum modo, vem sendo bom para as igrejas evangélicas, parabéns para elas, mas para o carnaval e suas agremiações tal fenômeno social vem sendo muito ruim, pois escola e blocos estão cada ano minguando em relação o número de componentes.

E qual seria a solução para tal problema? Como professor, acho que as escolas da rede pública têm que acrescentar nos seus currículos de história e ensino religioso o tema carnaval. Abordando a musicalidade, história e religiosidade das nossas agremiações carnavalescas. Democratizando a informação na escola pública estaremos fazendo com que as futuras gerações entendam melhor, e com menos preconceitos, as culturas afros.
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Professor Mariano
é comentarista, pesquisador e carnavalesco

Corações Unidos: uma parte da história do carnaval de Niterói


No último domingo foi comemorado na antiga quadra da Corações Unidos, o primeiro aniversário do Bloco Carnavalesco União da Engenhoca, bem como o campeonato conquistado pela agremiação no carnaval de Niterói. Mas uma questão vem sendo discutida intensamente na comunidade da engenhoca, que é a possível venda da sua quadra de ensaios.



Apesar de admitirmos que aos donos de qualquer propriedade privada, lhes cabem dá o destino que convém ao seu imóvel. O caso específico da quadra da Corações Unidos requer uma reflexão, pois o possível fim daquele espaço carnavalesco representaria o desaparecimento de parte da memória do carnaval de Niterói. Carnaval este que vem a cada ano, com a luta da UESCN junto com os sambistas, se revitalizando e voltando a ser uma festa bastante popular.



Após 23 anos de silêncio um obstinado grupo de sambistas trouxe de volta a história da Corações Unidos, abrindo sua quadra e depois no seu projeto de carnaval homenageando-a com o enredo “Na união da engenhoca os corações contam sua história”. Hoje aquele espaço trás todo um simbolismo que une o passado glorioso daquela que foi um dos maiores ícones do carnaval de Niterói, com presente promissor do Bloco União da Engenhoca que no seu primeiro desfile valendo titulo sagrou-se campeão.


Precisamos por tanto discutir com a sociedade, pois não se trata de uma venda qualquer, mas a perda de um patrimônio da história da cultura popular, que não pode ser descartada sem que haja um dialogo com os atores envolvidos. Pois nas questões que abrangem cultura e sociedade, não basta tão somente o aspecto financeiro, mas sensibilidade para entender a importância das manifestações populares na construção da cultura brasileira.

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Professor Mariano

é professor de História, pesquisador do carnaval e colunista do blog na “Cadência da Bateria”

O bizzarro choque de ordem no carnaval

Está em moda na política carioca o tal choque de ordem, uma prática de estado, há muito tempo adotada pela nossa elite e que historicamente nunca resolveu nossos problemas sociais. Se não bastasse sua ineficácia para dar solução as nossas contradições sociais do dia a dia, nossos políticos querem aplicá-la no carnaval. Tal postura é, no mínimo, bizarra, pois vai de encontro à própria filosofia carnavalesca, que é justamente romper, pelo menos nos quatro dias de folia, com a monotonia da ordem pública, que na maioria das vezes é estafante sem vida e só beneficia uma burocracia parasitária do Estado.

Agora que o carnaval de rua carioca mostra sinais de estar voltando com toda força, espontaneidade e irreverência, os setores conservadores e retrógrados começam a elaborar planos para inibir a criação e a realização dos blocos de rua.

Desde o tempo do império que o carnaval é uma oportunidade para os que estão na base de sustentação da pirâmide mostrarem com gestos burlescos sua insatisfação com seu cotidiano. Foi assim que os escravos demonstraram nos dias de momo sua revolta com a política adotada pela nobreza. Na república, os blocos de ruas que passaram a ocupar as avenidas dos grandes centros urbanos, aproveitavam seus desfiles para protestarem contra o choque de ordem dado pela insensível república velha.

Portanto, está na cultura do carnaval de rua a quebra de normas. O rito que se cultua é o do desvario carnavalesco.

Se hoje as pessoas mijam nas ruas não é culpa do excesso de agremiações carnavalescas, é muito mais um sintoma da total falta de identidade das pessoas com essa tal ordem pública. e isto não se resolve com choque de ordem, mais com diálogo do poder público com a sociedade civil.

O tempo que os nossos políticos perdem elaborando planos para conter a espontaneidade das festas populares, como o futebol e o carnaval, eles deveriam sim dar um choque nas suas administrações, mais um choque de imaginação para que suas políticas públicas não continuem sendo mera fantasia na vida de nós, cidadãos comuns.
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Professor Mariano
é professor de História, pesquisador do carnaval e colunista do blog na “Cadência da Bateria”