A opinião do pesquisador e historiador sobre os acontecimentos do carnaval

Primeira noite de ensaios

Antes de comentar sobre o desempenho das escolas de samba, quero ressaltar que os organizadores destes ensaios técnicos deveriam respeitar mais o povo que vai lá assistir este evento e, preparar melhor o sambódromo para o público que vai prestigiar todos os anos estes ensaios.

Foi uma vergonha o que se viu domingo. Muitos acessos de arquibancadas fechados, dificultando a chegada das pessoas. Corredores escuros, facilitando possíveis assaltos e tumultos e, banheiros fedorentos e com vazamentos de água. Em suma, as condições da passarela do samba eram péssimas. A impressão que se tem, é que tem gente, criando dificuldade para vender facilidades. Ou seja, justificar a possível cobrança de ingressos no futuro, para se assistir os ensaios técnicos.

Falando dos ensaios das escolas, a Acadêmicos da Rocinha foi a que abriu a noite. Fez um desfile agradável, o samba é de bom nível embora, se pareça com outras composições da própria escola.

Depois veio a São Clemente. Esta fez, na minha opinião, o ensaio mais fraco da noite. O samba que já não ficou bom na gravação virou uma chatice na avenida. A ala das baianas veio para o ensaio com uma saia que parecia mais um cone, destes que são usados em transito de rua, do que uma fantasia estilizada de baiana. O resultado disso foi uma dificuldade de evolução das queridas baianas da amarelo e preto na avenida. Acho que a São Clemente vai ter que trabalhar muito forte até março, para se manter no grupo especial.

Para encerrar a noite veio o Salgueiro. Quando a vermelho e branco pisou na avenida, já era madrugada de segunda feira. Com um samba, que considero um dos melhores da safra do grupo especial, a escola veio com uma novidade na sua conhecida furiosa bateria. Mestre Paulinho (ex Beija Flor), estreou ao lado de mestre Marcão formando assim uma dupla de regente de bateria à frente dos seus ritmistas.

No desenrolar do ensaio, já se notou uma mudança sensível, mas significativa, na bateria da escola. E esta mudança tendeu é lógico para um estilo de andamento parecido com o de mestre Paulinho.

O questionamento que faço em relação a esta medida tomada pela direção do Salgueiro em manter, a frente de sua bateria dois mestres é a seguinte: até que ponto mestre Marcão vai se sentir a vontade em relação às mudanças introduzidas por mestre Paulinho? E mais, como os ritmistas vão entender esta situação de terem dois mestres para obedecerem? Estas respostas só o tempo nos responderá. Como observador acho que a direção do Salgueiro vai ter que trabalhar esta situação com muita perspicácia para não haver conflito entre dois talentos do samba.

Embora a diretoria do Salgueiro e o próprio mestre Paulinho admitam que mestre Marcão seja o diretor principal da bateria da furiosa, o retrospecto no aspecto de notas da bateria do Salgueiro no último carnaval, quando ela perdeu pontos nos três módulos dos cinco disputado. E o próprio currículo de mestre Paulinho na sua marcante passagem pela Beija Flor, já faz com que o Salgueiro lide com esta situação que ele mesmo criou com cautela e critérios bem definidos.


Foto: Site da LIESA

Os grandes sambas de enredo da década de 2000

No ultimo dia 31 de dezembro de 2010, se encerrou a primeira década de 2000 e, com ela se foram alguns sambas enredo, que pelas suas qualidades, ajudaram a construir a memória sonora das escolas de samba neste período.

Selecionamos dez sambas de enredo, que a nosso ver, se destacaram como boas composições, nos primeiros dez anos da década de 2000.

Começamos pelo ano de 2001. Lá, pincelamos duas pérolas: a primeira é Saga de Agotime da Beija Flor. Este samba teve a África como tema gerador, trazendo a história da negra Maria Mineira Naê. Introdutora do vodu na América. A ritualística sonora com grande força nos atabaques é o ponto alto deste magnífico samba. A impressão que se tem, é que estamos na África antiga ao ouvirmos este samba da Beija Flor. A outra obra de 2001 que destacamos é o da Grande Rio. O Profeta saído do Fogo. Este enredo tirou do anonimato histórico, o profeta Gentileza, que soube como ninguém, expressar o valor da cultura popular, através das suas reflexões contra o sistema capitalista. O samba tem uma melodia bem comovente, como também, uma letra que soube sintetizar bem o enredo.

Do ano de 2002, iniciamos com o sambaço da Mangueira, campeã daquele ano. Com seu Brasil com Z é pra Cabra da Peste, Brasil com S é Nação do Nordeste. A Mangueira trouxe um samba com uma melodia valente e uma dissertação belíssima! O outro samba escolhido deste ano foi o da Unidos do Porto da Pedra. Serra Acima Rumo à Terra dos Coroados. Samba cuja força é sua contagiante melodia, sempre em tom maior.

Em 2003, começamos com a recordação de um clássico do samba enredo. O fabuloso Agudás da Unidos da Tijuca. Nele a escola do Borel contou a saga dos “leões” africanos voltando para as terras dos seus ancestrais na África. Neste mesmo ano a Unidos do Viradouro trouxe para Marques de Sapucaí um belo samba enredo. A Viradouro canta e conta Bibi. Com um lirismo singular e uma letra emocionante a escola de Niterói contou a história de uma grande atriz brasileira. Mas 2003 ainda revelou outro bom samba, e de novo a Grande Rio, desta vez o tema é: O Brasil que vale. Destaco neste samba a criatividade dos compositores, que transformaram um enredo “frio” que falava de mineração, em um samba enredo emotivo e harmonioso.

Pulamos agora para o ano de 2007 e lá recordamos uma obra prima do Salgueiro Candaces. Novamente o tema afro, fez nascer um grande samba. Destaco nesta poesia a dissertação do samba que mostra com muita riqueza poética a história das rainhas negras.

Para fecharmos a nossa escolha dos dez melhores sambas da primeira década de 2000, selecionamos duas obras da querida Imperatriz Leopoldinense. A primeira é de 2008 João e Marias. Este samba se destaca pela singeleza da sua dissertação. O outro samba é o de 2010. Brasil de todos os Deuses, um samba que traz consigo todos os requisitos que um bom samba de enredo tem que ter. Letra consistente e contornos melódicos bem definidos e variados.

Estes, portanto foram os 10 sambas escolhidos por nós como bons samba de enredo da primeira década de 2000. É claro que pode ter ficado de fora outras obras que não foram lembradas aqui pelo nosso critério de escolha. Mas, o que fica legal a registrar é que, ao contrario de que parte da crítica de samba enredo diz a década de 2000, não é uma década perdida em termos de qualidade de samba enredo.
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Prof. Mariano
Pesquisador e carnavalesco do carnaval de Niterói