A opinião do pesquisador e historiador sobre os acontecimentos do carnaval

Cuidado com o carnaval do fluxo!


Vejo com certa preocupação a possível decisão de permitir que blocos carnavalescos e escolas de samba de municípios vizinhos desfilem no carnaval de Niterói.

Transformar Niterói numa espécie de “metrópole” do carnaval do Estado do Rio, onde agremiações de outras cidades encontrariam a segurança de um bom “negócio” e a certeza de ter alcançado o “progresso”, é algo que deve ser avaliado também por outros aspectos, e não apenas pelo lado competitivo e consumista.

Uma agremiação carnavalesca quando nasce, trás dentro de si a raiz de sua comunidade. Ambas compartilham experiências sociais que fazem delas partes integrantes de um elo cultural. A partir daí, agremiação carnavalesca e comunidade passam a construir uma história singular de sentimento recíproco e vinculante.

Desfazer tais laços parece uma missão hoje num mundo em fluxo, onde nada pode ficar no lugar e sim deve seguir o rumo dos interesses dominantes do mercado.
Cabe a nós, que amamos o samba e sabemos de sua importância como revelador dos aspectos sociais e culturais do nosso povo mais humilde, discutir de forma crítica, negociar e enfrentar estes movimentos que tentam descaracterizar e banalizar o mundo do samba.
Permitir que o carnaval de Niterói esteja aberto à participação de agremiações de outros municípios pode transformá-lo em algo sem identidade. Sem contar que tal postura pode empobrecer e esvaziar ao logo do tempo os carnavais das outras cidades.

O próprio carnaval de Niterói experimentou um período de trevas na década de noventa. Dentre os motivos para tal situação sem duvida nenhuma estava a ida das escolas da cidade para desfilarem no carnaval do Rio de janeiro.
Hoje o carnaval se encontra inchado, descaracterizado e dividido socialmente. Muitas escolas tradicionais da cidade do Rio de Janeiro estão à beira de enrolarem suas bandeiras. Enquanto isso você olha para carnaval da baixada fluminense e ele inexiste, mas suas escolas hoje dominam em participação o carnaval carioca. Existe um apartheid social no carnaval da cidade do Rio, fruto de fluxo que quer fazer da festa mais popular do Brasil apenas um objeto de lucro.
Carnaval é um fenômeno social, e como tal deve ter modelo de desenvolvimento que leve em consideração esse aspecto, pois senão estaremos apenas reproduzindo as contradições do sistema capitalista no mundo do samba.
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Professor Mariano
é historiador e pesquisador do carnaval

Vinte anos se vão do desfile de contrastes na Sapucaí

Faz vinte anos que a passarela Darcy Ribeiro vivenciou um dos seus grandes momentos em se tratando do desfile do grupo especial das escolas de samba do Rio de janeiro. Foi quando o público e crítica viram dois grandes espetáculos, mas que eram antagônicos nas suas propostas de enredo. Estou me referindo aos desfiles apresentados por Imperatriz Leopoldinense e Beija Flor de Nilópolis no carnaval de 1989.

A Imperatriz veio com o enredo “Liberdade, liberdade! Abra as asas sobre nós!”, pegando carona no centenário da Proclamação da República. A escola da Leopoldina desenvolveu este tema, se detendo numa narrativa correta dos acontecimentos que levaram ao fim o Império no Brasil e o início da República. Já o Beija Flor preferiu fazer uma reflexão mais sociológica da situação sócio econômico e cultural do Brasil produzida pela República, e levou para a avenida o tema “Ratos e urubus larguem minha fantasia” desfile onde a marca foi delírio da criação carnavalesca.

Enquanto o enredo da Imperatriz tentava recuperar um estilo que estava decadente naquela época, procurando ser fiel aos fatos históricos sem criticá-los, a Beija Flor consagrou um estilo de enredo que já era tendência nos desfiles desta época. Neste estilo o que valia era o texto livre da censura e o protesto do discurso como arma contra uma situação sócio econômico que enfastiava o povo brasileiro.

Ambos os enredos revelaram esteticamente com seus desfiles, lados opostos da República. A imperatriz mostrava uma versão oficial da história da Proclamação da República, ovacionando seus símbolos e heróis. Já a Beija Flor com seu enredo politicamente correto, trazia para Sapucaí uma estética agressiva que rasgar o véu da hipócrita República, que perambulava em meio ao mar de contrastes.

Independentemente do resultado dado pelo jurado, que consagrou a Imperatriz como campeã do carnaval de 1989 e a Beija Flor como vice, o que ficam nestes dois grandes desfiles são os seus valores artísticos e estéticos que revelam as facetas de dois grandes artistas que duelaram com duas concepções de artes distintas, mas de grande impacto visual. Estamos falando da Max Lopes pela Imperatriz e Joãozinho Trinta pela Beija Flor.

Estamos disponibilizando um pouquinho dos dois desfiles para que vocês, leitores desta coluna, possam alterar ou não o resultado deste duelo.

Participe, votando na enquete ao lado!


Imperatriz: http://www.youtube.com/watch?v=Q8BbyYAJmQM

Beija Flor: http://www.youtube.com/watch?v=P0RFeVUAH9w