Joãosinho Trinta (foto: reprodução) |
O Brasil perdeu ontem o seu gênio da raça. O visionário e
revolucionário Joaosinho Trinta. Este maranhense que assombrou em 1974 o
carnaval carioca com seu enredo Rei França Na Ilha Da Assombração.
A partir daí, os desfiles das escolas de samba do Rio de
Janeiro não foram mais os mesmos. Com suas imensas alegorias, mulheres seminuas
e fantasias luxuosas, João cria uma espécie de fôrma que foi copiada pela
maioria dos carnavalescos chamados modernos.
Mas falar de Joãosinho Trinta para mim é sem duvida nenhuma
relembrar aquele que foi ao lado de Quizomba A Festa Da Raça da Vila de
Martinho, os dois maiores desfiles da história do sambódromo. Estou me referindo
ao antológico desfile da Beija Flor de Nilópolis de 1989: “O famoso Ratos e
Urubus larguem minha fantasia”.
Em Ratos e Urubus, Joãosinho como se estivesse conversando
consigo mesmo, escreve um enredo que vai, de certa maneira, negar aquele tipo
de carnaval implementado por ele. Cujo biônimo, foi baseado na formula luxo e
beleza. O próprio nome do enredo sugere esta reflexão. Os ratos e urubus na
metáfora carnavalesca de João representava a estética do feio que ele, sempre
escondeu dos seus enredos fantasiosos e lúdicos. Esta faceta esnobe do artista
fez inclusive ele falar aquela “pérola” de quem gostava de pobreza era o
intelectual, pobre gostava era mesmo de luxo.
Classifico esta infeliz frase de João como pérola, devido ao
fato de ele ter esquecido que o maior legado deixado pela escola de samba foi o
samba e que este, foi fruto justamente da criação do pobre morador do morro. O
sambista proletário valorizou primeiro a cultura dele e não a grana da
burguesia. Foi a figura do carnavalesco, no qual, João foi um dos pioneiros,
que introduziu a supremacia da ‘espetacularização’ do desfile em detrimento do
samba no pé do pessoal excluído do morro.
Portanto, ao trazer para a Marques de Sapucaí um tema que
homenageava na sua essência os humildes moradores de rua, João se retratava com
a bobagem que ele tinha falado. Como intelectual vindo das classes menos
favorecidas João ao fazer este enredo revolucionário, contempla em sua obra
duas característica inovadoras para seu trabalho: o realismo e o teor social do
enredo.
Para entendermos o impacto de Ratos e Urubus na mudança de
visão de João, temos que contextualizar este enredo no panorama político do
Brasil da época.
Depois de anos de ditadura civil – militar, o Brasil voltava
a ter um sistema político que apesar de não representar nem de longe os anseios
populares, mas trazia de volta pelo menos, a chance da verbalização da critica
sem restrições. E foi aí que João mudou sua filosofia carnavalesca. Trazendo
para aquele carnaval de 1989 uma releitura dele sobre o Brasil contemporâneo.
Ratos e Urubus ao adentrar na Marques de Sapucaí se
transforma numa espécie de fantasma para a burguesia retrógada brasileira,
principalmente a reacionária Igreja Católica que desesperada em ver Jesus
Cristo compartilhado na invenção social carnavalesca, com os profanos mendigos
produto da sociedade de consumo, não tem alternativa a não ser censurar a obra
de João.
É como se o desfile da Beija Flor revelasse para todo o Brasil
naquele momento, o inconsciente das elites brasileiras, que foi escondido o
tempo todo pela ação de poder do Estado. Cristo não poderia ser adorado pelos
“estranhos” produzidos pelo “bárbaro sagrado sistema civilizado”.
Quis o destino que a Beija Flor naquele ano perdesse o
carnaval para o desfile “chapa branca” da Imperatriz Leopoldinense. Apesar de ter o samba mais bonito daquele
ano, a escola da Leopoldina trazia para a passarela do samba, um culto ao
Estado brasileiro. Contemplando a República com sinônimo de liberdade e
fraternidade. Algo totalmente avesso ao que a Beija Flor levou para a avenida.
A derrota do carnaval revolucionário de João concretizou- se na
nota equivocada do jurado de samba enredo. Ele tirou pontos da obra da Beija
Flor, alegando que sua letra do refrão não tinha relação com o enredo. Tal
atitude do jurado revelou o total despreparo intelectual destas figuras no
trato de julgamento do quesito em disputa.
A letra tinha tudo a ver com o enredo porque a palavra legba ou
mais propriamente elegbera é um dos nomes de Exu – orixá habitante das ruas,
que inclusive se manifesta nos mendigos, segundo a crença popular.
Para encerrar digo que Ratos E Urubus entrou para a História do
carnaval carioca, pois revelou uma faceta deste gênio da raça que nem ele tinha
muita noção que existia, mas, que foi trazida a tona junto com toda aquela
enxurrada de transformações que a História brasileira estava expelindo.
Obrigado por tudo mestre João!